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5 estratégias para promover a participação da pessoa com demência nas atividades do dia-a-dia:

Texto de: Catarina Ramalho, Terapeuta Ocupacional

“O mundo da pessoa mudou. Ela habita um mundo diferente do que aquele que nós habitamos e temos de nos colocar no lugar da pessoa.” – Perrin, T., May, H., Anderson, E. (2008).

 

O mundo da pessoa com demência muda com o avançar da doença e um dos primeiros sinais dessa transformação é frequentemente a falta de iniciativa e motivação para a pessoa fazer as atividades que sempre fez ou que gosta tanto de fazer. Por vezes, isto acontece até mesmo antes de outros défices cognitivos aparecerem. É muito comum ouvir “Ele deixou de fazer o que fazia” ou “Não sei o que fazer, ela fica o dia a ver tv, não faz mais nada”.

Esta diminuição da participação dá-se porque, mesmo que a doença ainda não esteja no estadio mais avançado, podem já estar presentes alguns dos défices cognitivos que alteram a perceção visual, orientação espacial, orientação no tempo, planeamento motor, resolução de problemas, entre outros. Estes défices modificam o nosso desempenho em tarefas e aumentam a dificuldade, em praticamente, todas. Estas alterações são suficientes para a pessoa se sentir frustrada ao fazer atividades que sempre fez. Ou até mesmo assustada quando percebe que já não o consegue fazer, não tendo a mesma regulação emocional que teria antes da doença para lidar com as mudanças que aparecem.

Todos este factores aumentam a desmotivação e falta de iniciativa para a ocupação. Contudo, o facto de alguém ter demência, não significa que já não é capaz de se envolver em ocupações.

Poderemos esperar que uma pessoa que tem as suas competências cognitivas em declínio seja capaz de querer, fazer, decidir e envolver-se em atividades? A resposta é sim. É importante termos isto em consideração quando planeamos, adaptamos e escolhemos uma atividade para a pessoa fazer ou para fazer com a mesma. Como companheiro de cuidados, terapeuta, outro profissional de saúde ou voluntário numa instituição temos uma palavra a dizer sobre o dia-a-dia da pessoa com demência.

Falemos então de algumas estratégias em ter em consideração para aumentar as oportunidades de envolvimento em ocupações:

Conhecer a história de vida

Para familiares, a vida pode estar facilitada neste caso. Mas, se o mesmo não for verdade ou se for outro tipo de cuidador, já encontrou uma das ocupações que poderá dar grande significado à vida da pessoa: Rever a sua vida. Quem somos nós sem a nossa identidade ou memórias? Sem fotografias, sem recordações das viagens, sem guardar o bilhete do concerto da nossa vida? O facto da pessoa ter alguém que queira conhecer a sua história pode ser um benefício para a motivação e pode criar uma ligação de confiança mais forte. Para além disso, ao valorizar a identidade da mesma vai aumentar a probabilidade da pessoa viver em bem-estar e ainda poderá promover a comunicação e o envolvimento em atividades. Quem foi aquela pessoa? Que profissão teve? E hobbies e interesses? Um cozinheiro gostará de voltar a cozinhar na forma adaptada, escrever o livro de receitas ou ajudar a família em tarefas na cozinha. Uma decoradora poderá fazer artes manuais ou até mesmo continuar a modificar coisas em casa. Uma pessoa que adorava ler deve ser estimulada para o mesmo, passando dos livros que sempre leu para os mais simples (não infantis), depois ouvir audiobooks ou ouvir alguém a ler para si. A atividade pode ser visualizar o álbum de fotografias de família e ouvir as histórias por detrás das mesmas, ou nós a contar as histórias quando a pessoa já não é capaz de as evocar.
Ter um “livro da vida” fornece ideias para atividades mas também a valorização da identidade da pessoa.

Encontrar a normalidade no dia-a-dia

Em contexto institucional ou em casa, a pessoa precisa de se sentir segura. Principalmente, tem de atribuir confiança a quem a rodeia e sentir que as suas necessidades são suprimidas nesse ambiente físico e social. Necessidades essas que englobam ocupação e inclusão. Estas duas podem facilmente ser combinadas ao encontrar a referida “normalidade” em tudo o que acontece num dia e todas as tarefas inerentes ao mesmo. Podemos convidar a pessoa a fazer as atividades connosco, como dobrar a roupa, limpar a casa, ajudar na preparação de refeições, lavar a loiça, arranjar algo estragado em casa, ir às compras, ir passear, cuidar das plantas, cuidar dos animais, cuidar de crianças, entre outras. Todas estas podem ser feitas recorrendo a diferentes adaptações como dividir a atividade em pequenas tarefas, fazer com auxílio ou supervisão. O objetivo é que a pessoa sinta que é parte ativa do lugar onde vive.

Tentar atividades novas que possam fazer sentido

Em alguns casos, as pessoas não experimentam certa atividade por diferentes vicissitudes da vida. Ao experienciar uma nova situação ou ambiente (como um Centro de Dia) a pessoa pode descobrir um interesse novo. Algumas atividades promovem a diminuição da ansiedade, a reminiscência, o relaxamento e a concentração. Alguns exemplos são a pintura, trabalhos manuais, trabalhos com lã, música, passear, jardinagem ou estar com animais. Contudo, se após experimentar, a pessoa não revelar qualquer interesse na atividade, não se deve insistir, de forma respeitar a decisão e não provocar mal-estar.

Importa se é Terça-feira ou Sexta-feira?

Este é o título de um artigo de Morton & Bleathman de 1988 que promoveu a terapia da validação em vez da terapia de orientação para a realidade. Contudo, 30 anos depois debatemo-nos com o mesmo problema. A estimulação cognitiva de papel e caneta e a orientação para a realidade continuam a ser os grande objetivos de determinadas intervenções terapêuticas e até a abordagem de cuidadores informais. Isto é feito a pensar na pessoa e nos seus benefícios mas, se analisarmos com calma percebemos algo: Pode realmente ser importante para o Sr. António saber em que dia está ou estação do ano mas também pode não ser. Se for algo de grande importância e valor, habitualmente a pessoa fornece-nos “pistas” sobre isso (pergunta o dia, vê o calendário, etc) ou a família comenta. Se, por outro lado, o facto de não saber em que dia está não causa qualquer tipo de frustração, ansiedade ou mal-estar à pessoa, com que objetivo devemos insistir na orientação para o dia, estação ou ano? Neste caso, estamos a confrontar a pessoa com o erro, com o que já não consegue evocar. Poderemos optar por utilizar atividades de reminiscência para determinada época. A pessoa pode já não conseguir precisar em que dia é a Páscoa ou porque se celebra mas existe uma grande probabilidade de que associe certa receita, tradição religiosa ou cultural à data (cozinhar o folar, ir ou assistir à missa). Com este tipo de atividades, a pessoa não tem de se deparar com questões e pode envolver-se de plena forma na atividade por se sentir num ambiente social seguro e a desempenhar uma atividade com significado.

Não pensar em primeiro lugar no fracasso

Dada a forma como a doença afeta o desempenho da pessoa nas suas atividades da vida diária por diferentes motivos, os cuidadores podem sentir que a pessoa já não é capaz de realizar tarefa alguma. Isto acontece pelo simples facto de vermos alguém de quem gostamos e para quem queremos o melhor a ter dificuldades nas situações mais básicas e a sentir-se frustrado mas sem saber como lidar com a sua própria frustração. Consequentemente, o medo começa a ser mais forte do que a empatia, sendo que isto acontece inconscientemente. Ou seja, é importante para a pessoa envolver-se, de forma adaptada, nas atividades a que atribui importância, mesmo que estas se possam apresentar como um risco. Preferiria eu continuar a fazer aquilo que traz significado à minha vida mesmo que pudesse cair ou cortar-me, (etc.) ou deixar de fazer o que gosto para estar protegida e segura mas sem qualquer vontade de existir pois a minha identidade ficou apagada pela redoma de segurança em que estou? Para além disso, o risco deve de ser encarado como algo no ambiente social ou físico a ser modificado e não como algo estanque. Por exemplo, alguém sempre gostou de preparar as suas castanhas e dar o golpe longitudinal nas mesmas. O primeiro impacto é que a faca será um risco, logo a pessoa não pode continuar a fazê-lo. Mas não utilizou a faca para dar aquele golpe, para cortar e descascar alimentos durante toda a sua vida? A memória de procedimento é afetada de forma distinta na demência do tipo Alzheimer, sendo que somos capazes de manter a memória de como realizar determinadas tarefas que repetimos com muita frequência ao longo da nossa vida, principalmente nos estadios iniciais e intermédios da doença. Para além disso, podemos ser nós a escolher a faca e ficar perto da pessoa a supervisionar a atividade e prevenir que algo aconteça.

Gostaria de saber mais sobre como adaptar as rotinas e atividades de uma pessoa com demência? Contacte-nos.

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