Porque devo escolher um lar que tem um terapeuta ocupacional
Texto de: Catarina Ramalho, Terapeuta Ocupacional.
A vida numa instituição poderá ser bastante difícil de entender. Isto é compreensível pois ao vivermos nas nossas casas temos um conjunto de papéis inerentes a uma vida autónoma e possuímos o poder sobre a nossa rotina e as nossas escolhas. Eu levanto-me às horas que quero ou levanto-me às horas a que as responsabilidades escolhidas por mim ao longo da vida me fazem sair da cama. Eu decido se tomo banho de manhã ou à tarde, se não tomo, se como o pequeno-almoço ou não, se cozinho o meu almoço e o quê, o que vou fazer no trabalho, o que vou fazer para me divertir, o que vou fazer para aprender mais sobre um tema, que filme vou ver, a que horas vou dormir, quando vou estar com a minha família e amigos. Sou eu que decido. Sou eu que consigo fazer estas ocupações de forma autónoma logo eu decido o quê, com quem, quando e como fazer.
Todos nos enredamos nestas etapas sem dar por isso e sem justificações para dar. Quando temos a nossa casa, sim. Quando temos competências que nos fazem ser totalmente autónomos na nossa casa, sim.
E quando vamos para um lar? Ou quando temos de decidir pelo nosso familiar se viverá num? Será importante considerar uma instituição que tenha pelo menos um terapeuta ocupacional na sua equipa. Porquê?
Este é o profissional que possui os conhecimentos certos para diminuir a existência de privação ocupacional.
“Ir para um lar” tem ainda uma conotação negativa. No entanto, não existem razões para isso se forem feitas mudanças na equipa, se for um trabalho em conjunto. Claro que ninguém quer ir para um lar e imaginar-se sentado o dia todo sem fazer as coisas que mais gosta e sem que ninguém revele interesse pela sua história de vida. Qual de nós quer realmente isso?
A privação ocupacional acontece quando a pessoa não é o que ela quer ser e não faz o que quer fazer por não existirem oportunidades no ambiente físico e/ou social.
Na maioria das instituições, essas oportunidades para que a participação aconteça são “roubadas” pela inexistência de tempo. O tempo é essencial para o desenvolvimento da forma adaptada que permita à pessoa participar numa actividade, mesmo na existência de dificuldades motoras ou cognitivas. A dificuldade é que, em muitos casos, os horários são estabelecidos com base nas tarefas (e não nas pessoas), tarefas estas que são feitas por colaboradores e nas quais os residentes não têm nenhum papel ativo.
Atenção, todos estes serviços e atividades, que na realidade estão na “posse” dos diferentes colaboradores, são importantes para o bom funcionamento da instituição. Aliás, se todos estes serviços funcionarem de forma estruturada e organizada, existe uma maior probabilidade de que a vida dos clientes tenha mais qualidade e de que existam elementos da equipa que estão “livres” destas tarefas para na realidade promoverem o envolvimento em ocupações significativas e numa rotina que vá de encontro aos interesses do cliente.
Contudo, o problema acontece quando a rotina dos serviços, funcionando melhor ou pior, passa a ser a única rotina a ter em consideração para as direções das instituições e para o restante pessoal. A pessoa a viver na instituição não participa em ocupações para além da higiene pessoal e alimentação ou ocupações de grupo que por vezes não são as mais significativas. Não participa em ocupações inerentes aos papéis ocupacionais que reconhece como sendo seus.
Coloquemos isto de forma mais simples e que nos permita sentir empatia: “Gosto de me levantar todos os dias à mesma hora e ser logo “arrancada” da cama? Eu só gosto de pintar mandalas? Não era eu professora de cálculo e agora estou a ver desenhos animados na televisão da sala comum do lar todos os dias? Porque é que, se eu não sou católica, estou a participar numa atividade religiosa para a qual ninguém questionou o meu interesse? Ninguém à minha volta parece saber a minha profissão e aquilo que eu fui e ainda sou. Mas porque é que ninguém me pergunta?”
A pessoa na instituição começa a desaparecer aos poucos, sendo que a falta de atividades do seu gosto e oportunidades para participar na sua própria rotina parecem ter o maior efeito negativo na sua qualidade de vida e aumentam o isolamento social. Se a pessoa passa o dia inteiro sentada num sofá, sem qualquer tipo de atividade, estímulo ou interação, quem é afinal aquela pessoa? Terá ainda identidade?
Assim, o papel do terapeuta ocupacional na instituição é compreender a dinâmica da mesma e avaliar de forma exaustiva a história ocupacional de cada cliente, os seus interesses, valores, rotinas e papéis, necessidades e problemas no desempenho ocupacional. Quando compreendemos a rotina da instituição e as suas limitações para criar oportunidades de envolvimento, estamos a avaliar de que forma o ambiente físico e social é facilitador ou dificultador do envolvimento ocupacional.
A partir daí, dependerá do nosso conhecimento sobre o cliente (fase da vida, rede de suporte, papéis ocupacionais, ocupações significativas) para percebemos o que é realmente importante para a sua qualidade de vida e de que forma a instituição se pode adaptar a ele e não o contrário. Quando delineamos um plano para essa adaptação temos em nosso o poder os conhecimentos para passar à direcção e colaboradores, para que todos os elementos da instituição compreendam de que forma é possível promover o envolvimento ocupacional de cada cliente sem prejudicar os restantes. É possível criar um equilíbrio entre necessidades da pessoa e necessidades da instituição.
Existem atividades que exigem material específico, um espaço físico diferente, o acompanhamento de mais pessoas, ou o acompanhamento a longo termo do cliente. Mas isto deve ser proporcionado pela instituição através de uma abertura nas mentalidades e na desconstrução sobre as reais necessidades para a qualidade de vida do cliente.
Ainda assim, o principal agente de mudança será o terapeuta ocupacional, ao utilizar os seus conhecimentos para a correta avaliação, planeamento e intervenção com o cliente, sendo que esta intervenção deve ser inserida numa intervenção multidisciplinar, com o envolvimento de cada membro da equipa e com as modificações realistas do ambiente físico e principalmente, social, para benefício e para aumentar o papel ativo no cliente nas suas ocupações. Ao diminuirmos a privação ocupacional através da intervenção em equipa, aumentamos a qualidade de vida da pessoa que vive num lar que nem sempre chama de seu.
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