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Date: Maio 31, 2021

Author: Eu Consigo

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Mafalda Correia – “Ser criança é a MAIOR OCUPAÇÃO da vida das Crianças… por isso, o dia da criança é tão importante”.

Mafalda Correia é Terapeuta Ocupacional no Hospital Beatriz Ângelo, onde recebe diariamente crianças e adolescentes com dificuldades relacionadas com diferentes áreas da saúde mental, bem como os seus familiares.

Dê-nos alguns exemplos de patologias com as quais costuma lidar e explique sumariamente o que faz um Terapeuta Ocupacional que intervém com crianças com estes quadros.

Para mim enquanto terapeuta ocupacional, mais do que quadros clínicos, interessam-me as limitações no desempenho ocupacional. Recebo meninos que não têm amigos, adolescentes que não conseguem ir à escola, familias que não conseguem ter uma refeição juntos porque o filho tem muitas dificuldades em comer.

Recebo todos os dias, crianças e jovens que não atingem, nem desempenham o que é esperado para a sua idade e competências ‘normativas’.

Hoje, recebi um jovem de 16 anos tão deprimido que passa dias a fim no quarto sem interagir com o mundo. Uma criança de 5 anos, que só agora começou a comer fruta e já deixa escovar os dentes. Um menino de 6 anos, que no seio familiar não tem qualquer espaço para autonomia, pois o tempo é demasiadamente fugaz para lhe ser permitido fazer e refazer a tarefa as vezes que precisa, e como tal só há birras em casa. Vou receber ainda, uma criança que vive numa instituição, ainda  sem projeto de vida definido, e que tem momento de grande agressividade.

Tenho na minha agenda, tempo reservado para grupos de pais onde falamos das evoluções, heranças emocionais, práticas parentais e em ser ‘pai/mãe bom o suficiente’… onde trabalhamos a autonomia, o luto do bebé/criança sonhado, a culpabilidade e os medos dos pais. Pelo caminho tambem terei te ter tempo para telefonar a CPCJ e escolas, e ser tradutora, advogada, terapeuta da criança no seu setting. Explicar, tal como aprendemos com o 25 de abril ‘às vezes é preciso desobedecer’, só assim se tem saude mental. Às vezes estar contra o mundo é um ato de auto-preseveração.

Os dias são diversos, cheios, intensos mas ricos, muito ricos.

A propósito do Dia da Criança, que reflexão faz neste momento sobre as crianças portuguesas e a sua saúde mental? Quais são os principais desafios que as crianças estão a enfrentar?

As crianças estão a navegar num mundo por vezes doente, muito doente.

As crianças estão a crescer privadas de referências salutares; felizmente ainda há muitos movimentos, familias, histórias boas… porém na minha prática diária tenho o reverso da medalha. Crianças que brincam em bolhas, ou não brincam de todo com os pares. Crianças que não podem subir a árvores porque se magoa, mas podem ficar horas presas a écrans… e isso também magoa.

Sendo que a saúde mental, segundo António Coimbra de Matos, é a capacidade que nos movermos livremente entre emoções, e a tristeza é tão importante como a alegria. Talvez essa seja a maior pandemia… evitamento da tristeza, do aborrecimento, da seca… com um frenezim de tarefas e atividades e com pouco espaço e tempo livres.

Os desafios começam desde a carga horária intensa, com dias grandes que foram sendo construidos para que dessem resposta às necessidades das famílias.

O afastamento do brincar livre, o aumento do tempo mediado por ecráns… tantas vezes ouvimos os advogados da infância, deixem as crianças em paz, deixem-nas ser livres, errar, crescer, frustrar-se, cair, levantar… O brincar livre, essa coisa obsoleta e vintage…

Os currículos académicos que não respeitam o desenvolvimento da criança… não posso pedir que a criança consiga fazer letra de imprensa (na pré) para depois pedir no 1º ciclo letra manuscrita…  quando ainda nem lhe permiti que usasse as mãos para comer, pois suja-se e atrasa tudo…

Os maiores desafios são, sem a margem de dúvida, o desrespeito pelo seu tempo.

Muitas vezes são olhadas como agentes passivos, que têm de se ajustar às imposições dos ritmos do adulto e que, nas suas manifestações de cansaço, zanga, frustração são imediatamente rotuladas e urgentemente ‘tamponadas’.

Como podem os pais ajudá-las?

O primeiro passo, de forma simplista, é existirem bolhas familiares promotoras de saúde mental. Bolhas onde não existam distratores permanentes, como os écrans, relógios, tabelas de ‘afazeres’. Encontrar diariamente um tempo de encontro genuíno e consciente, ouvir com o corpo todo. Em que a previsibilidade, coerencia e expetativas são ajustadas ao filho e à familia.

A saúde mental, tal como referido anteriormente, é o movimento que tem de permitir que exista um leque de emoções diversas,

Do seu ponto de vista, qual é o papel dos professores? Até que ponto conseguem eles dar uma resposta adequada em casos de  hiperactividade,  défice de atenção,  alterações do comportamento e outros que tanto se encontram nas escolas?

Os professores precisam de forma global, ter mais tempo para se ocuparem do que é ser professor… mais do que preencher papeis, garantir notas… deverão recentrar-se no que é a sua missão, ‘ensinar a aprender… ensinar a ser’. Nós, sociedade, confiamos nos professores a educação dos nossos filhos… é na escola que eles passam mais tempo… há lá maior responsabilidade?

Não, os professores não conseguem, nem têm de conseguir, sozinhos… não podemos pedir que sozinhos façam mliagres. Há uma questão estrutural de base, que impede que os professores façam mais… turmas de 25 meninos??? Como? Mesmo o melhor professor do mundo, precisa de rede… e os professores na sua formação base não têm espaço para aprender sobre saúde mental, muito menos sobre doença mental ou perturbações de desenvolvimento.

O professor, isoladamente, não consegue tudo. É preciso uma aldeia para educar uma criança (provérbio africano). Precisamos de mais e melhores condições… pergunto-me várias vezes ‘aluno que não aprende ou escola que não ensina?’. Acredito que é um equilíbrio e esse equilíbrio grita por mais mãos… por vezes imagino aqueles números de circo em que há uns pratos que giram frenéticamente no topo de umas varas longas… o professor é o artista e os meninos são os pratos. Alguns caem e partem-se.

O papel, neste momento, do professor, é garantir que as crianças saem diariamente da escola um pouco mais ricas do ponto de vista da experiência académica. E por experiencia académica refiro-me a tudo o que a escola oferece, não só à aprendizagem formal.

O Dia da Criança tem um significado especial para si? Qual?

Para mim, enquanto pessoa, mãe, terapeuta ocupacional o Dia da Criança é um dia a ser cada vez mais importante, se for afastado do lado consumista. O Dia da Criança é um hino às crianças, e à vida. Importa salientar que as crianças não são adultos em ponto pequeno, que são seres individuais com caraterísticas únicas.

Talvez seja um dia que podemos usar para nos relembrar de resgatar a infância, de joelhos esfolados, mangueiradas de água, ir para a cama cedo… ficar amuado a desenhar no vido embaciado… a infância em que o tempo tem o tempo necessário para ser criança.

Quando era mais jovem, tinhamos a feira da criança… era tão bom. Muitas profissões para experimentar, muitas brincadeiras para fazer. Dia de passeio fora da escola. Por isso, para mim o Dia da Criança tem esse significado tão especial, celebrar a infância, o imaginário, celebrar a experiência, pelo corpo, pelos sentidos…

Ser criança é a MAIOR OCUPAÇÃO da vida das Crianças… por isso, o dia da criança é tão importante.

1 Response to “Mafalda Correia – “Ser criança é a MAIOR OCUPAÇÃO da vida das Crianças… por isso, o dia da criança é tão importante”.”

  • MariaJulho 1, 2021 at 12:06 pm Responder

    Ser criança é a maior ocupação das crianças! Adoro a ideia.

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