Idadismo: o “ismo” de que poucos falam
Texto de Camila Daskaleas
Diariamente, interessamo-nos e procuramos não contribuir para as mais variadas formas de discriminação que nos rodeiam e que nos afetam enquanto cidadãos e sociedade. Como consequência, certamente já ouviu falar de diferentes “ismos”, tais como o racismo, o sexismo, o capacitismo e tantos outros. Mas já ouviu falar de idadismo?
Embora seja das formas de discriminação mais comuns do mundo, afetando, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três pessoas idosas dos países da Pesquisa Social Europeia, é ainda pouco conhecido e debatido, talvez por não ser considerado nocivo (OMS, 2021).
Mas o que é afinal o idadismo? O idadismo é o “estereótipo, preconceito e discriminação dirigida contra outros ou contra si mesmo com base na idade” (OMS, 2021). Ocorre especialmente em relação a jovens e a seniores, sendo o enfoque deste artigo nos últimos.
É importante referir que quando falamos de estereótipo, preconceito e discriminação é habitual pensarmos em pensamentos, sentimentos e ações que consideramos depreciativos, como “As pessoas idosas são fracas, senis, solitárias, irritantes, tecnologicamente incompetentes…”. No entanto, é provável que nunca lhe tenha ocorrido que adjetivos como “fofo”, “inofensivo”, “frágil”, “coitado”, podem ter também uma conotação negativa para quem os ouve, ocorrendo-se numa generalização a toda uma faixa etária e ignorando-se a diversidade desta população. Certamente já conheceu pessoas idosas com estas características, mas decerto que também já se enganou a encaixar alguém numa destas “gavetas”.
De facto, muitas vezes sem intenção, temos atitudes idadistas, especialmente com as pessoas seniores. Se pensa que não, sugerimos que dê uma vista de olhos na lista que se segue. Convidamo-lo a refletir e assinalar as situações que já ocorreram.
Lista de pensamentos, assunções que já tive relativamente a pessoas seniores numa determinada situação:
-Vive ou devia viver num lar ou instituição.
-Não fazem nada, são pouco produtivas e proativas.
-São dementes ou senis.
-São inadequadas se se comportarem de forma similar a pessoas jovens.
-São fracas, frágeis, indefesas, inocentes.
-São maçadoras, tagarelas, não entendem pistas sociais/tons de conversa.
-São/estão mal-humoradas, rabugentas, rezingonas sem motivo nenhum.
-São/estão sempre doentes, têm menos saúde que pessoas mais jovens.
-São menos sociais que as pessoas mais jovens.
-São inadequadas/ridículas por se divorciarem/separarem de um(a) esposo/a após anos de casamento ou terem uma nova relação após o mesmo ter falecido.
-São fofas e inofensivas. Posso chamá-las com nomes diminutivos ou carinhosos mesmo sem ser próximo/a delas (“avozinho/a”, “filhinho/a”, “meu/minha querido/a”, etc.)
-São irritantes e nunca fazem aquilo que mando por isso ralho com eles.
-São inadequadas/ridículas por se vestirem de uma determinada forma/ terem determinado penteado que considero desadequada à sua idade.
-Não têm ou não devem ter uma amizade com pessoas mais novas, sendo mais natural que se rodeiem de pessoas da sua idade.
-Não têm capacidade para falar de/acompanhar determinados assuntos que as pessoas jovens têm.
-Não têm ou devem ter uma vida sexualmente ativa.
-Não têm estamina, energia para uma determinada atividade física.
-Não levam a mal que se faça piadas sobre a sua idade e a falta de capacidades físicas/psicológicas que considero que detêm.
-São todas religiosas.
-É mais fácil/rápido decidir por elas visto que eu sei o que lhes convém ou o que lhes é vantajoso mesmo sem perguntar.
Se após alguma reflexão concluir que algumas atitudes suas tiveram, realmente, uma conotação idadista, não se martirize. Segundo a OMS, uma em cada duas pessoas tem atitudes idadistas relativamente a pessoas idosas e este tipo de discriminação provavelmente foi-lhe incutida desde a sua infância e reforçado ao longo da sua vida (OMS, 2021).
A consciência dos atos que cometemos no passado é o mais importante para evitar cometê-los novamente no futuro. Por este motivo, este artigo tem como objetivo dar-lhe a conhecer os diferentes tipos de idadismo e alguns contextos em que ocorre este tipo de preconceito.
O Idadismo Interpessoal
O idadismo interpessoal é aquele ao qual nos referimos na lista acima. Corresponde aos pensamentos, sentimentos e ações idadistas que temos relativamente ao outro. Ora, os dados demonstram que, embora este tipo de idadismo seja muitíssimo generalizado a nível global, ocorre especialmente em países de renda média-baixa e baixa e os atores são normalmente do sexo masculino, mais jovens que a vítima e com baixa escolarização (OMS, 2021).
O Idadismo Institucional
O idadismo institucional ocorre quando existem estereótipos, preconceitos e discriminação relativa à idade nas instituições, tais como aquelas que facultam o acesso à saúde, aquelas onde trabalhamos e até aquelas que produzem o conteúdo a que assistimos na televisão, lemos no jornal e vemos online.
O idadismo na saúde
Embora em Portugal e na Europa, se observe um envelhecimento populacional acelerado, a saúde não sofreu ainda as adaptações necessárias para oferecer os serviços e o atendimento necessários às pessoas com mais idade. A linguagem infantilizada, a falta de formação dos profissionais de saúde para diagnosticar pacientes idosos com doença mental ou comunicar com os mesmos sobre sexualidade e DST, a falta de disposição para tratar esses pacientes relativamente aos mais novos, a discriminação relativamente à distribuição de certos tratamentos ou equipamentos (especialmente durante a época mais acentuada de casos Covid-19) e a escassez de participantes mais velhos em ensaios clínicos para doenças que afetam primeiramente pessoas idosas (como o Parkinson) são alguns exemplos de como o idadismo tem um impacto no acesso das pessoas idosas à saúde (OMS, 2021).
Este panorama tem efeitos graves para a saúde física e mental das pessoas idosas. O idadismo mata. Literalmente. Segundo a OMS, o idadismo impede a recuperação após um evento incapacitante, contribui para uma maior adoção de comportamentos de risco, para a depressão, para a aceleração de perdas cognitivas, para a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e, consequentemente, para a morte precoce (OMS, 2021).
O idadismo no local de trabalho
O idadismo no local de trabalho ocorre em todas as esferas: no recrutamento, no dia-a-dia do trabalhador, no acesso a formação, na demissão e no processo de reforma (OMS, 2021). A desvantagem vivenciada pelos trabalhadores ou candidatos mais velhos relativamente aos mais novos é alarmante, especialmente quando está em causa o uso de tecnologias.
Relativamente a este tipo de idadismo institucional é interessante refletir sobre o aspeto cultural no qual o mesmo se baseia. Culturalmente, definimos determinadas expectativas para cada faixa etária e certas profissões e carreias que se adequam a cada uma. Por exemplo, os jogadores de futebol são valiosos no máximo até meados dos seus 30 anos, enquanto um cidadão só se pode candidatar para Presidente da República se tiver pelo menos 35 anos. Estas expectativas espelham as características que relacionamos com diferentes alturas da vida – quando novos, somos fortes, rápidos, mas imaturos e ilógicos e quando velhos somos inteligentes e responsáveis, mas cansados e frágeis. A sociedade é idadista quando olha para a idade cronológica como passaporte para a vida.
O idadismo e os media
Os media são um aspeto muito relevante quando analisamos o idadismo. Por um lado, a opinião pública influencia os media. Se o que está na moda é ser jovem, sem rugas e cabelos brancos é isso que vamos ver na televisão, nas revistas e nas redes sociais porque é isso que gera gostos, visualizações, partilhas e receitas. Por outro lado, os media influenciam a opinião pública. A representação de determinado tipo de características e traços físicos e psicológicos impacta a nossa perceção do mundo que nos rodeia, nomeadamente aquela que temos das pessoas idosas.
A forma como o idadismo se apresenta nos media é subtil, mas pode ser resumida em duas questões. A primeira, a da sub-representação. Um estudo da OMS demonstrou que apenas 1,5% dos personagens de televisão dos EUA eram pessoas idosas e a sua maioria teve apenas papéis secundários com fins humorísticos, sendo representativos de certos estereótipos como a ineficácia física, cognitiva e sexual (OMS, 2021). A segunda, a do silenciamento. Ao analisar 2000 filmes de Hollywood, a OMS concluiu que a partir dos 31 anos para a frente, as atrizes têm menos participação nos diálogos. Pelo contrário, à medida de envelhecem, atores ganham mais participação no diálogo (este é um bom exemplo da forma como o idadismo muitas vezes se acumula com outros tipos de discriminação, exacerbando-o). No entanto, a partir dos 65 anos, tanto os atores como atrizes sofrem uma redução no diálogo. Os homens passam a ter apenas 5% dos diálogos, as mulheres 3% (OMS, 2021).
O Idadismo Contra Nós Mesmos
A socialização em casa, na escola, no mundo, transforma-nos, molda-nos. Por isso seria de esperar que, ao vivermos rodeados de mensagens idadistas, as mesmas fossem por nós absorvidas e reproduzidas. Já percebemos como isso tem impacto nas nossas relações com os outros e com as instituições, mas e connosco?
A nossa auto-perceção e auto-estima são profundamente afetadas pela forma como vemos e julgamos o outro, visto que esperamos que nos vejam e julguem da mesma forma. Assim, é provável que à medida que envelhecemos, acabemos por nos limitar nas expectativas que temos para nós, nos nossos objetivos, nos nossos sonhos, nas nossas relações com os outros, levando-nos a criar barreiras para o nosso próprio potencial. As barreiras têm nomes: vergonha, inadequação, incompetência, fragilidade, julgamento.
Lutar contra o idadismo é, por isso, lutar contra as barreiras impostas. É, então, uma luta política, social, mas é também uma luta pessoal. O combate ao idadismo é uma luta pelos direitos de todos nós, é uma luta pelo direito de ser pessoa e de, como tudo, de ter um início e um fim, mas também tanta coisa pelo meio.

Bibliografia:
Organização Mundial da Saúde. Relatório mundial sobre o idadismo (2021). Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde. Retirado de: //iris.paho.org/handle/10665.2/55872
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Fonte da Imagem: Pexels
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